segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Acho que não é só coincidência

Há uma semana postei um texto onde perguntava se seria coincidência a provável transferência do dr. Jorge Di Ciero, meritíssimo juiz eleitoral de Sobral, para outra jurisdição.
Hoje recebi de um amigo, por e-mail, a cópia do seu (do Juiz Jorge ) despacho de desaprovação das contas do prefeito re-eleito Leônidas Cristino. Depois de lê-lo, acho que a transferência dele, se acontecer mesmo, não terá sido mera coincidência...
O documento é longo, mas merece ser lido por todos os que sonham, há décadas, com uma praxis político-eleitoral transparente, justa e legítima, sob penas de vermos perpetuada, ad aeternum, a democracia de fachada, em que os vencedores serão sempre os donos do poder econômico.
Parabéns, dr. Jorge Di Ciero, não pela coragem de "medir forças"com os poderosos de sempre, mas por sua interpretação isenta da(s) lei(s).
Ao texto, então... atentem para o parágrafo em negrito (eu que coloquei o negrito) e concluam sobre a possível transferência do juiz.

protocolo n.º 90638/2008 Autos n.º 1148/2008
Natureza: Prestação de contas
Candidato: JOSÉ LEÔNIDAS DE MENEZES CRISTINO



SENTENÇA

Trata-se de prestação de contas dos recursos arrecadados e aplicados pelo candidato JOSÉ LEÔNIDAS DE MENEZES CRISTINO nas eleições municipais de 2008, conforme preceituado pela Lei n. 9504/97 e Resolução n. 22.715/2008.
Os formulários e documentação exigidos pela legislação foram juntados aos autos e o candidato apresentou suas contas tempestivamente.
A Comissão de Análise de Contas, após supridas as deficiências apontadas no parecer preliminar, opinou pela aprovação da prestação de contas do candidato.
No parecer o MP, com fundamento no art. 40, inciso III, da Resolução n. 22.715/2008, opinou pela DESAPROVAÇÃO das contas ora apresentadas
FUNDAMENTAÇÃO
Durante todo o período de campanha os candidatos, advogados e contadores foram exaustivamente orientados, chegando-se a realizar reunião em 19 de agosto de 2008 às 15:00 h no auditório do fórum eleitoral. Naquela oportunidade houve palestras com auditores fiscais do município, da União e técnico em contribuições previdenciárias para expor as peculiaridades da legislação eleitoral e tributária. Contou-se ainda com a valiosa colaboração do Procurador do Trabalho em Sobral, tudo conforme previsto na portaria 17 de 2008.
Duplicaram-se os mecanismos pedagógicos intimando-se os interessados durante as prestações de contas parciais, à medida que as divergências surgiam, para sanar irregularidades e afastar surpresas quanto à postura que seria adotada ao final.
Por mais permissivo que se pretenda ser na apreciação das contas de campanha, e essa parece a tônica da legislação eleitoral e dos prazos disponíveis para o Judiciário, não há como tratar com indiferença a exortação que o Ministério Público faz nas suas considerações sobre a desvirtuação do processo eleitoral, como instrumento da vontade popular.
Ao inconformismo da atuante promotora somo os meus. Constatei ao longo dos anos de interior, e Sobral em particular, fatos e posturas que revelam a apropriação da coisa pública e que impõem apego a formalismos legais que possam estancar essa sangria, como única forma de combater a corrupção que vicia esse regime ao qual denominamos democrático.
Excrescências como “prefeitinhos”, indicados pelos mais votados em cada distrito e nomeados pelo prefeito, evidenciam um pacto de preservação de redutos eleitorais que reeditam os currais de outrora. Por intermédio deles encaminham-se obras de interesse da comunidade, incidindo às escâncaras, durante os três anos e três meses que antecedem o início do próximo mandado, a vedação prevista no artigo 73 da lei 9.504/97, de fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.
Aliás, das vedações previstas naquele artigo poucas são as que não consigo perceber acintosamente presentes no período pré-eleitoral, e nem por isso menos aptas a viciar todo o processo. Não me parece oportuno elencar todas as condutas que representam desvio de finalidade e que serviriam para aguçar a sensibilidade do julgador na análise de contas.
Mas não parece que é disso que trata a análise das contas… Talvez sim.
O objetivo das questões trazidas a baila é simplesmente o de documentar o que é comentado e sabido por todos, para evidenciar às Cortes – instância julgadora dos recursos - que existe um grito surdo da população que percebe e se indigna com esses fatos notórios, e por esse motivo dispensam provas, reclamando providências a todos os que de algum modo competem tomá-las.
Nesse caso, o Judiciário o faz por intermédio das prestações de contas.
Quanto à fundamentação legal, não consigo ver reparos na análise jurídica elaborada pelo MP, em relação às despesas com combustível, transporte de candidato e locação de veículo, de modo que adiro a ele na integralidade e o transcrevo como fundamento de decidir, para que não se alegue vício formal:
Primeiramente, cumpre verificar que o art. 22 da Resolução n. 22.715/2008, ao especificar o que deve ser considerado gastos eleitorais sujeitos a registro e aos limites fixados, inclui:
“IV- despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;”
As despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço de candidatura inclui os veículos particulares ou de familiares utilizados em favor do candidato, sendo que tal despesa deve constar como doação de pessoa física ou do próprio candidato mediante bens ou serviços estimáveis em dinheiro.
O candidato, como faz com as doações ou cessões de pessoas físicas, estimaria o tempo em que disponibilizou do veículo para a sua campanha e o valor estimado da referida utilização.
Por mais humilde que seja a campanha eleitoral, e não tem sido essa a regra, é difícil acreditar que o candidato não tenha gasto, assim como declara, qualquer valor com transporte ou deslocamento.
A declaração de tal despesa tem, ainda, repercussão no controle dos gastos com combustível, já que se foi declarado um valor gasto com combustível, este deve ser compatível com o número de veículos utilizados na campanha, tanto para propaganda quanto no deslocamento do candidato ou pessoal à serviço da candidatura. Além de tais hipóteses, a utilização demasiada de combustível poderia configurar compra de voto, já que utilizado em veículos que não figuram em nenhuma das duas hipóteses admitidas na prestação de contas.
Concluo que as notas fiscais globais são inidôneas.
Identifico irregularidade ainda na identificação parcial dos veículos utilizados inviabilizando fiscalização e controle quanto aos gastos com combustível.
Dos dois ônibus alugados não consta o período em que foi utilizado, o que obriga a presunção de idoneidade das notas fiscais juntadas aos autos que se reportam ao dia 04.10.2008, em violação frontal aos relatórios das comissões fiscalizadoras de contas, inclusive com fotos que demonstram a inconsistência das contas. E se esses veículos somente foram utilizados na data da emissão da nota, não foram abastecidos nas datas anteriores, formando vício circular insanável.
Mesmo admitindo como válida uma prática viciada que sempre sede lugar à regularidade formal, constato que a quantidade de combustível é incompatível com a especificação dos veículos indicados pelo candidato.
O desprezo, ou o descompromisso do candidato com o art. 48 da Lei n. 22.725/2008, que prevê a OBRIGATORIEDADE da apresentação de relatórios parciais, nos dias 06 de agosto e 06 de setembro, dos recursos e dos gastos até então realizados, apostando na leniência da fiscalização, converteu-se em instrumento de sua própria condenação.
O mais grave da prestação de contas incompleta ou formalmente irregular é porque suprime a nobre função do controle de contas do Judiciário eleitoral.
A manipulação contábil do destino das verbas declaradas possui margens largas. Elas podem e devem ser utilizadas pelos candidatos em campanha, mas não devem ir além daquelas que lhes outorga a complacente legislação eleitoral. A prática dos postos e dos candidatos de comprar combustível durante toda a campanha com uma só nota, omitindo as despesas efetuadas ao longo do período na prestação de contas parcial, não está dentro dos seus limites.
Diga-se que por diversas vezes a comissão de contas e de propaganda, reportou em seus inúmeros relatórios, notícia de postos apinhados que se esvaziavam ao perceberem sua aproximação.
Incapaz de nominar cada um dos que se denunciavam em atitude irregular, ao empreenderem fuga, tenho o combustível como um “grande ralo” da corrupção eleitoral nos municípios do interior. Funciona como moeda de compra de votos pela sua grande aceitação, elevado valor econômico e pela dificuldade em rastrear a origem dos recursos que o custeia.
Cruzamento de dados fiscais e administrativos não tardaria em evidenciar o que já se sabe informalmente: que tais despesas correm por conta dos contratos de fornecimento para órgãos públicos.
Imbuído do propósito de ressaltar todo o contexto no qual se encontra envolvida a deficiência da prestação de contas, no que se refere a lançamento das despesas de combustível, acrescento o elevado índice de denúncias que chegavam noticiando compra de votos e que ocorria às escâncaras sem mesmo serem investigados. A Polícia Federal, servindo-se de expediente encaminhado pela presidência do e. Tribunal Regional Eleitoral, alegava insuficiência de meios, para recusar ações que lhe competiam e reservar-se a uma ação seletiva, nem sempre abrangente.
A campanha do candidato em questão, a despeito da inexistência de oposição expressiva despendeu elevadas cifras, ensejando inclusive pedido de aumento dos limites de gastos. Na oportunidade, alegou como fato novo o aumento do salário mínimo, já anunciado há pelo menos quatro meses.
No que se refere à comprovação do recolhimento do ISS - imposto sobre serviço de qualquer natureza, o candidato alegou que não fez o recolhimento por entender que não incide o referido tributo nos serviços utilizados pelo candidato. Alega, ainda, que a lista de serviços que acompanha a Lei n. 116/03 é taxativa e não admite interpretação extensiva.
Em relação a esse entendimento prefiro o ministerial:
De fato, a Lei Complementar n. 116/03 apresenta rol dos serviços cuja prestação é fato gerador do ISS, ressaltando no parágrafo 4° do art. 1° que a incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.
Ocorre que, ao contrário do que argumenta o candidato, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora reconheça o princípio da taxatividade, admite a interpretação extensiva dentro de cada item, para permitir a incidência do tributo sobre serviços correlatos.
Não pode o candidato pretender que estejam elencados na lei as múltiplas denominações que a população das mais diversas regiões atribui aos serviços que são prestados. O fato gerador deve ser aferido pela descrição da atividade.
Foi precipitada a procuradoria do município, como ente arrecadador, em excluir aprioristicamente da hipótese de incidência os serviços apenas genericamente indicados pelo candidato à reeleição.
Oportunidades como essa revelam a indissociabilidade entre os interesses do prefeito licenciado em campanha da prefeitura que ocupa, importando na mitigação da credibilidade dos expedientes encaminhados em campanha e revelando o distanciamento formal e não material da administração municipal.
Exatamente do candidato que se esperava maior respaldo para efetivação do recolhimento do ISS é que veio a oposição mais ferrenha. Com sua tese trouxe repercussões que desconstruíam a finalidade para-fiscal do referido tributo. O ISS constituiu-se em ferramenta de grande importância para a justiça eleitoral confrontar a quantidade de pessoas empregada pelos candidatos em campanha.
Perdeu oportunidade ímpar de funcionar como parâmetro de contribuinte no recolhimento do referido tributo, pela desprezível cifra de R$ 6 mil numa campanha que não sofreu privações orçamentárias.
Diga-se de passagem que o auditor municipal chamado para proferir palestra e encaminhado oficialmente pelo atual gestão, orientou todos os outros candidatos que estavam presentes – e quero crer que o candidato em questão se fez representar – à obrigatoriedade do recolhimento do ISS para todos os prestadores de serviço de campanha, em perfeita dissonância da tese adotada pelo candidato.
Pareceu esquecer-se do que consta no artigo 63 do Código Tributário do Município de Sobral – Lei Complementar 02 de 09/12/97 – disponível para qualquer um que disponha acesso à página www.sobral.ce.gov.br/gestao/legislacao/codtributario (o que lamentavelmente ainda não é o caso da justiça eleitoral), que “É responsável pela retenção na fonte e recolhimento do imposto, quem utilizar serviços prestados por empresas ou profissionais autônomos, que não fizerem prova de sua inscrição como contribuintes no cadastro econômico do município”.
Confunde conceitos jurídicos e o sentido vulgar do termo trabalhador avulso, como bem explicitado no parecer ministerial:
Também não se pode conceituar os prestadores de serviço acima especificados como trabalhadores avulsos, que são aqueles que sindicalizado ou não, presta serviços de natureza urbana ou rural, sem vínculo empregatício, com intermediação obrigatória do sindicato da categoria (fora da faixa portuária) ou do órgão gestor de mão obra (na área portuária).
Tenho igualmente por deficiência material não sanada a falta de contabilização do recolhimento do ISS dos prestadores de serviço para a campanha do candidato.
Mesmo ciente do elevado desgaste pessoal que representa para o magistrado a desaprovação de contas de quem já se encontra institucionalizado no poder, sinto-me seguro para a decisão primeiramente porque preservo a vontade das urnas, já que teria o condão apenas de impedir o candidato de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, com repercussões apenas sobre a próxima eleição, sem impedir sua diplomação e ainda por acreditar que contribuo para repensar a democracia que desejamos, porque tenho como certo que não serei o único a julgar essas contas.
Por tudo isso, tenho por conclusivo a relevância que a irregularidade da prestação de contas representa, principalmente no que se refere a combustível e pessoal, merecendo cabal e induvidosa reprovação.
DISPOSITIVO
Diante do exposto e com fundamento no art. 40, inciso III, da Resolução n. 22.715/2008, DESAPROVO prestação de contas dos recursos arrecadados e aplicados pelo candidato JOSÉ LEÔNIDAS DE MENEZES CRISTINO nas eleições municipais de 2008.
Ficam franqueados ao MPE os autos e tudo o que nele consta para os encaminhamentos que entender pertinentes. Autorizo o cartório eleitoral, para auxiliá-la aplicando os modelos e expedientes que fornecer.
Intime-se por fax.
Publique-se por edital único.
Ciência aos interessados.
Sobral, 10 de dezembro de 2008

Jorge Di Ciero Miranda
Juiz Eleitoral

Um comentário:

SINDICATO DOS CALÇADISTAS DE SOBRAL disse...

amigo azevedo, vc transcreveu a sentença no seu blog imagine nenhum jornal de sobral o fez, cade a imprensa de Sobral