domingo, 13 de novembro de 2011

A constituição segundo um conterrâneo

                Atribui-se ao escritor  e historiador  cearense Capistrano de Abreu o seguinte discurso: "nossa carta magna só precisa ter  2 artigos.  Art I:  Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Art. II. Revogam-se as disposições em contrário."
                 Nessa nova tentativa de "fazer funcionar" o Discordando do Rui,  estou tentando postar textos mais curtos e menos cansativos para os eventuais curiosos. Vez ou outra, no entanto, postarei textos mais longos, autorais ou não; como este  abaixo que trata, coincidentemente, do mesmo assunto que inspirou Capistrano ...

Vergonha!

Chove com frequência em Vancouver. Quando isso acontece nos fins de semana, fico em casa. Leio muito nessas horas e, para mitigar a solidão, deixo a TV ligada. Em um desses meus momentos solitários, a TV reportava que, no Japão, apesar dos terremotos, das falhas nas usinas nucleares, e da falta de alimentos, não havia ocorrido episódios de violência, saques ou desordem.

Uma senhora de meia idade foi entrevistada na fila onde as rações de alimentos estavam sendo distribuídas. Perguntada por que, diante da perspectiva de falta de alimento, ela esperava calmamente pela sua vez na fila, ela singelamente respondeu: “Porque se agisse de outra maneira, traria grande vergonha para mim e minha família.”. Achei interessante que ela tenha usado a palavra “vergonha”.
De fato, pesquisas conduzidas por John Braithwaite, da Australian National University (ANU), apontam para o fato de que, sociedades nas quais a vergonha é parte importante da cultura, sofrem menos com criminalidade, violência e corrupção.
A possibilidade de experimentar o sentimento de vergonha externamente, atraves da sanção ou condenação por membros da familia e da sociedade; e internamente, através das noções de certo e errado advindas do processo de socialização, contribui para a criação de uma sociedade mais justa e pacifica.
Ética, portanto, é ao mesmo tempo uma questão individual, cultural e coletiva. É preciso uma aldeia para educar uma criança.
Nesta ótica, crime, violência e corrupção são vistos como ofensas à comunidade, e não ao Estado. Deve-se fazer o que é certo, e não o que é meramente legal. As ações devem se orientar pelo campo da ética, e não do direito.
Trata-se de restaurar os danos e as relações entre pessoas, e não de punir ofensas ao Estado. Trata-se de restaurar relações, e não de fabricar presos.
Existe algo fundamentalmente errado quando, em uma sociedade, as noções de legalidade ou ilegalidade substituem as noções de certo e errado. Quando o sistema jurídico fica mais importante que a ética. Quando o compromisso com o bem-estar da comunidade se esconde atrás de nossa consciência adormecida. Nesta hora, perdemos a vergonha.
A vida não cabe em um conjunto de leis. Ela é maior que isso. Não cabe em livros ou códigos. Não cabe no direito. A vida é dinâmica, fluida, contraditória e cheia de dilemas. Em uma sociedade pacifica, organizada e evoluída, a ética precede a legalidade. As pessoas têm vergonha. Nestes tempos de apagão ético, talvez seja isso o que nos falte.

Elton Simoes mora no Canada há 2 anos. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FVG); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos 
                 


             

Um comentário:

Cacá disse...

Oi Azevedo, realmente este novo formato é bem mais objetivo. Continuo lendo suas postagens. Um forte abraço Cacá