domingo, 17 de fevereiro de 2008

Império ou república? Talvez devêssemos rever conceitos

Na minha viagem de férias de fim-de-ano, enqüanto padecia junto a milhares de outros brasileiros dos efeitos danosos da crise aérea ( atrasos kilométricos nas partidas de vôos ), entrei muitas vezes nas lojas, free-shops, restaurantes e livrarias dos aeroportos. Nelas ( as livrarias ) comprei pelo menos 2 livros: O Código da Vida, do autor Saulo Ramos, jurista e ex-procurador da república no governo Sarney; e outro, menorzinho, de apresentação despretenciosa, quase desapercebida: Perfis Brasileiros - Dom Pedro II, do autor José Murilo de carvalho, cientista político (internacional mesmo, pessoal de Sobral, graduado pela universidade americana de Stanford), professor universitário de História do Brasil e membro das Academias Brasileiras de Letras e de Ciências.

Achei a leitura dos 2 livros excelente, nem me cansei ao lê-los, mesmo tendo um 476 páginas e o segundo 268. Recomendo a todos essas leituras.

Mas me encantei mesmo foi com o menorzinho, a biografia de Dom Pedro II; tanto que o transformei no meu livro de cabeceira e vivo relendo seus capítulos, aleatoriamente, para sorver um pouco mais do exemplo de dignidade e comportamento de um administrador no trato com a coisa pública. Se um dia chegar a algum cargo público pela via eleitoral, vou me empenhar e tentar exercê-lo como nosso imperador-menino o fez no seu quase meio século de reinado.

Para vocês, eventuais leitores deste espaço, conhecerem um pouco mais do conteúdo do livro, e por extensão, do próprio homem Pedro de Alcântara, transcrevo a seguir um artigo do jornalista Rui Fabiano, que escreve semanalmente no blog do Noblat. No seu texto, principalmente quando ele compara o comportamento atual dos administradores da república ( cartões corporativos, mensalões, emendas parlamentares, viagens internacionais de jatinho particular pagas pelo contribuinte - no Ceará, etc) encontrei o tema-título desta postagem. Boa leitura para vocês.

Na Corte de Dom Lula I (e eu completo: e dos governadores e prefeitos de plantão)

Em sua excelente biografia sobre Dom Pedro II, José Murilo de Carvalho conta que, em 49 anos de reinado, o monarca recusou sucessivas tentativas da Câmara dos Deputados de aumentar-lhe os subsídios pessoais e a dotação de sua assessoria.

No início de seu reinado, as despesas com a manutenção de seu gabinete pessoal correspondiam a 3% das despesas de manutenção do governo; ao final, quase meio século depois, eram de 0,5%. Quando de sua primeira viagem à Europa, recusou dotação especial da Câmara para financiá-la, optando por um empréstimo pessoal, como qualquer cidadão. Pagou tudo do seu bolso.

Nada mais republicano, nada mais democrático.

Cento e dezenove anos depois, o que temos? O presidente da República duplicou, em quatro anos, suas despesas pessoais sigilosas. Recusa-se a abrir as contas de seu cartão corporativo pessoal, que aumentam ano a ano, sob o argumento de que o cargo impõe sigilo. Seu ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Félix, diz que “quanto maior a transparência, menor a segurança”. Ou seja, viva o sigilo!

Nada mais monárquico, nada menos democrático.

Conta ainda José Murilo que, além de não aumentar sua dotação, Dom Pedro às vezes doava parte dela ao Tesouro. Fez assim em 1867, doando 25% de sua remuneração, como contribuição pessoal às despesas da Guerra do Paraguai. E pagava estudos na Europa para artistas talentosos, sem meios de provê-los, como o compositor Carlos Gomes e o pintor Pedro Américo.

Um século e duas décadas depois, o reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, adquire, com cartões corporativos do Estado, pagos pelo contribuinte, três lixeiras, a R$ 990 cada, lixeiras especiais, com sensor eletrônico, cuja tampa se abre à aproximação do usuário, poupando-o dessa dolorosa tarefa.

Gasta R$ 470 mil na decoração de seu imóvel funcional, recurso suficiente para comprar um belo imóvel em região nobre da cidade. Enquanto isso, o órgão de pesquisas da Universidade, a Finatec, de cujos cofres extraiu aqueles recursos, não realiza há tempos sua atividade-fim por falta exatamente – adivinhem! – de recursos.

(Um parêntese: por que o Estado ainda fornece residência funcional gratuita a servidores? Não há similar em nenhuma parte do mundo, excetuando-se os chefes de Executivo, no curso transitório de seus mandatos. Nos tempos iniciais de Brasília, isso se justificava, pois a cidade não possuía imóveis suficientes para abrigar o funcionalismo transferido em massa. Desde, porém, o Governo Sarney, em meados da década dos 80, quando os imóveis funcionais foram vendidos, já não mais faz sentido manter o privilégio. Fecha parêntese).

O reitor alega que tudo o que gastou tornou-se patrimônio público, supondo que isso o absolve. Claro que não. O dinheiro de que se serviu destinava-se a pesquisas. Houve, pois, desvio de finalidade, agravado, e muito, pela destinação fútil que lhe foi dada.

Maria Antonieta – a esposa de Luís XVI, que mandou servir brioche ao povo, quando soube que não havia pão – não faria melhor. Acabou degolada pelo mesmo povo que insultou.

A Corte de Maria Antonieta estaria à vontade diante de outras despesas esdrúxulas efetuadas pelos “republicanos” brasileiros. O Comando da Marinha, segundo o Portal da Transparência, gastou, com cartão corporativo pago pelo Estado, R$ 14,7 mil com serviços matrimoniais. A Universidade do Maranhão gastou algo parecido – R$ 14,6 mil -, e da mesma forma, na Relojoaria Deodoro, em São Luís.

Outro estabelecimento estatal de pesquisa, a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, fez despesas graúdas com relógios, via cartão corporativo: R$ 15,2 mil, pagos à Relotec Comércio de Relógios Ltda. Há provavelmente um surto de pontualidade nessas repartições.

Há ainda uma despesa do Comando da Marinha com conserto de sapatos e bolsas que soma R$ 14,7 mil. Haja meia-sola. E assim por diante. Pelo visto, está na hora de reproclamar a República e consultar os manuais do Império no quesito “respeito ao patrimônio público”. Há, sem dúvida, muita coisa para os nossos republicanos de galinheiro aprenderem com Dom Pedro II.

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