terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O desabafo de um colega docente

O Tarcísio Praciano é um dos últimos utopistas do planeta. Mas suas utopias, diferentemente da de Tomas Morus, são factíveis; basta os poderosos compreenderem que precisam cumprir com o seu dever constitucional. E pronto, ele nem precisaria redigir o texto abaixo.
O que pretendem os nossos governantes mostrar à nossa juventude ?
Tarcísio Praciano Pereira
professor universitário

Os meus alunos não precisariam viajar por longas duas ou até três horaspara assistir aulas comigo em Sobral, eles poderiam ter estas aulas pela INTERNET, nas suas cidades de origem.

Esta é uma das razões da greve na UVA: a ausência de condiçõesadequadas de trabalho e de ensino: faltam bibliotecas, restaurantes universitários, residências universitárias, laboratórios de ensino, gabinetes dignos, apoio pessoal para nosso labor (algo como o monte de aspones que cada deputado tem, as verbas de gabinete que eles têm, etc, etc, etc que eles têm).

Eu sou apto para dar estas aulas com tecnologia de ensino à distância (sem que isto seja o famigerado ``ensino à distância'' que o MEC está inventando).Os meus alunos poderiam acessar a minha aula einteragir comigo, em suas cidades de origem como se estivessem em uma salade aula aqui em Sobral, apenas evitariam as duas ou três horas de viagem,os riscos da viagem, o cansaço da viagem, e a aula seria exatamente igual,somente que eles poderiam ter muito mais proveito dela.
Mas o estado do Ceará não tem Internet viável, nem a Universidade EstadualVale do Acaraú possui os meios para tornar isto possível.Para que eu pudesse dar a minha aula via Internet era preciso:1) que o estado do Ceará não fosse tão atrasado quanto é no item comunicações, em particular aquela através da WEB.2) que a Internet não fosse no estado do Ceará um item de consumo caro, queela estivesse à disposição das Universidades para tornar o Ensino mais efetivo.3)que eu dispusesse de um laboratório conectado à Internet para que eu pudesse criar com facilidade e eficiência os módulos de minha disciplina a serem oferecidos para os alunos.4) que eu tivesse uma equipe de bolsistas trabalhando comigo para criar este material, que eu mesmo venho criando, sozinho, e consequentemente com muita lentidão e ineficiência; é trabalho braçal que custa tempo, e sei fazer, mas trabalhando sozinho torna o resultado pouco efetivo, afora a Internet, que simplesmente não existe.
.Foi por isto que entramos em greve!Claro que ainda tem o meu salário que é baixo, eu ganho menos que umdeputado e sem dúvida estou melhor preparado que possivelmente a totalidadedeles. Além disto eu trabalho, quase certamente, mais do que muitos deles juntos, e o meu trabalho é também sem dúvida mais importante que o trabalhode muitos deles juntos. Eu trabalho, eles votam em grupo. Também foi por istoque entramos em greve. Não é justo o péssimo salário que temos.
Se os nossos alunos fossem "estudantes" de polícia militar, de sargentos doexército, da aeronáutica ou da marinha, eles teriam uma bolsa (que eleschamam de soldo), teriam casa para morar (que eles chamam de caserna), teriam uma segurança de emprego quando terminassem de estudar. Os meus alunos não têm nada disto, em que pese o fato de estarem se preparando para ser professores, enfermeiros, biólogos, geógrafos, sociólogos, engenheiros,enfim, profissionais de várias atividades importantes para a Sociedade.E ninguém ousa negar a importância destas profissões. E como os nossos alunosnão têm nenhuma destas regalias nem segurança de futuro, eles também têm reduzido interesse nos estudos, o que torna o meu trabalho mais difícil (além do baixo salário que recebo).
Foi por isto que entramos em greve.E o estado do Ceará é um dos campeões, à moda negativa, do desenvolvimentocultural, com uma escola de qualidade baixíssima. A razão disto se encontranos baixos salários dos professores, nas condições ínfimas das escolas, na pouca ou nenhuma opção de futuro que os estudantes possam reconhecer como resultado dos seus esforços para aprender. Ninguém precisa estudar para servereador, deputado, prefeito, governador nem presidente da república.Aliás, para "vencer na vida" não é bem a Escola que representa o rumo, umavez que aqueles que trabalham na Escola ganham mal e são pouco respeitados.Se ganham mal e são pouco respeitados, como é que eles, aos olhos dosalunos, vão lhe apontar um rumo interessante na vida? Foi por isto queentramos em greve... também é por isso que os alunos vão mal, e não precisa de nenhum levantamento estatístico sofisticado para descobrir as razões; bastaperguntar a um deles: o teu professor vale alguma coisa? Tu respeitas oteu professor? O teu professor pode te mostrar alguma opção interessante para avida? A tua Escola é um local respeitável ? A tua escola pode te apontar um caminhointeressante para o teu futuro ?
Alguém acha que alguma destas perguntas receberia uma resposta positiva? Se as escolas mais lembram pardieiros, como podem apontar para um futuro decente?

O prédio em que trabalho, na Universidade Estadual Vale do Acaraú, sofreu umcurto-circuito há um ano. A razão do quase-incêndio, que ocorreu num fim-de-semana, (não havia estudantes no prédio) foi a infiltração das águas de chuvas que umedeceu os circuitos. A infiltração continua, asmarcas do incêndio continuam lá nas paredes ao longo de todo um ano. Istoé só um exemplo do descaso do poder público com a educação. Como podem osnossos alunos, vendo esta escola, imaginar que ela pode lhes oferecer um futuro? Ou será que ele podem encontrar mais futuro procurando meios ilegais?Será que é isto que desejam mostrar a nossa juventude ? Será que é istoque desejam dizer à juventude: estudar é inútil!


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